TUDO QUE VAI...
São exatamente 2:18 da tarde, estou na minha sala de aula,
sendo que a aula mesmo só começa as 7 horas da noite. É deveras interessante
você se encontrar no mesmo corriqueiro lugar de todos os dias, num momento
diferente. Do alto deste momento observo cada detalhe que passa despercebido no
dia-dia. Posso observar o teto que está sem acabamento, o concreto ali presente
e suas delicadas saliências, mal sabia eu que concreto também poderia ser
delicado. Imagine só, algo com o qual convivi durante cinco anos e que de
repente tive a oportunidade de conhecer. Observo também as luminárias e seus
suportes, objetos desprovidos de sentidos até o momento em que são observados
por alguém despretensiosamente, sem a objetividade da rotina mundana; estas
luminárias e seus suportes entram em sintonia com a canção que ouço e criam um
momento que há tempo não vivia. Posso reparar ainda que não existe beleza
alguma por si só no suporte ou no ventilador acoplado à parede dando a
impressão que vai cair, mas coloco ali um sentimento, um momento, uma sensação,
enfim, um sentido, dificilmente nos percebemos disso, mas o tempo passa e não
damos a mínima importância para aquilo que “não é importante”, mas a vida nos
prova que precisamos daquilo que não é importante, precisamos que o que não é
importante se torne importante por alguns segundos, e vice-versa, pois é isso
que nos encanta e dá tesão. Existem os protagonistas e os coadjuvantes, nem um
melhor nem outro pior, é fato que precisamos dos dois. É fato que precisamos da
sala de aula e do dia-dia como ator principal, mas precisamos também do cartaz
pregado na parede indicando que ele pode e deve algumas vezes (e só algumas
vezes, se não vira protagonista) ser visto com um olhar diferenciado,
despretensioso, desprovido de objetividade, pragmatismo; precisamos de fato da
objetividade como protagonista, mas precisamos da abstração pra não
enlouquecer. Vejo nesse momento coisas que já nem via mais, a placa que proíbe
o uso de celular, as ramificações dos fios que distribuem energia, o ventilador
sujo, o apagador quase extinto, alguns pequenos buracos no azulejo, as quatro
placas de madeira quase que perfeitamente disfarçadas, pintadas de branco em
meio ao alto da parede frontal da sala, a forração azul desbotada do mural, mas
o que mais me acompanhou nesses anos todos sem dúvida foram as vigas de
concreto do teto, elas sem dúvida advinham à mim nos melhores momentos, sempre
que estava extasiado com alguma conclusão brilhante ou que eu chegava à
conhecer algo novo é lá pra cima que eu olhava, colocava as mãos atrás da
cabeça algumas vezes, outras não. O quadro lá na frente, com seus quadradinhos
nunca me deixou na mão, sempre exercendo a função de autoridade, dizendo sempre
que eu devia anotar o que ali estava, porque sem dúvida iria precisar (e
precisei), ordens que por vezes não segui.
Chega a ser engraçado, porque quando olhei pra minha cadeira comecei a
rir, quem mais esteve comigo aqui se não ela? Ela que por vezes abrigou meu
corpo já cansado do dia de trabalho, corpo que se estendia (praticamente
deitava) em sua extensão, e que ali viajava ser humano afora, a cadeira talvez
seja minha companheira mais fiel nesses cinco anos. Nesse momento, é impossível
ainda não notar a presença dos cartazes e avisos nas paredes, da parede branca
riscada pelo encosto das cadeiras. E essas janelas me fazem sorrir também,
basta lembrar-se de todas as vezes em que através delas olhei, pensando no
mundo psicológico em que eu iria encontrar lá fora depois de todo esse tempo na
incubadora acadêmica, pois é janela, chegou a hora! Não será mais através de ti
que olharei esse mundo, mas sim in
vitrio, ao vivo, à cores e em sofrimento e alegria, chegou a hora de pôr o
pé para fora, dar os primeiros passos, começar a engatinhar, e é aí que entra a
tão desejada e temida porta, razão de muitos de nossos medos e angústias, mas
também de nosso anseios, ela me olha como um pai que diz para um filho: eu
permito que você vá, mas exijo que muitas vezes olhe para trás. E a lixeira,
quantas coisas tiveram que dolorosamente ir pra lá, mas hoje, nesse momento,
posso me dirigir à ela e ver tudo que coloquei lá dentro, quem sabe até pegar
de volta alguns papéis e desamassá-los, aprender com o que foi jogado no lixo.
Isso tudo foi uma experiência, uma brincadeira das mais profundas que possa
existir, a brincadeira que se torna realidade, a criança que cresceu, mas não
desprendeu a brincar, mas apenas a deixar as brincadeiras para as horas de
maior tensão. E enfim, a hora de falar do material humano, esse que mais nos
toca e nos faz aprender, evoluir, crescer, amadurecer, que emociona, que torna
real a experiência, que dá sentido humano. O Que seria de mim sem eles? Ou
melhor, quem seria eu sem eles? Poderia ser tudo, menos o que sou hoje, foi com
o material humano com o qual convivi durante esses cinco anos que aprendi que
nada existe, tudo se constrói, tudo se evolui e se revoluciona, tudo muda e
nada é estático, ao mesmo passo em que a essência permanece; mas isso é tudo
conjectura, conjectura de alguém que viveu, pois só quem vive sente, e só quem
sente vive. Além do cabelo que caiu, da
barba que cresceu, do rosto que deu uma envelhecida, dos músculos e tecidos que
se desenvolveram, dos membros que se alongaram e das espinhas que se foram, o
maior amadurecimento foi psicológico, saber lidar com as situações, não saber
lidar com elas (mas admitir que não sabe), aprender a se impor, a conviver em
sociedade, a ser mais sociável, a ter amigos, a dar risada, aprender a ser
feliz com mais propriedade, e por mais que não domine todas as situações,
aprender a compreendê-las, realmente posso dizer que o aprendizado não se
compra e não se embute, e nesse caso se sou o que sou hoje, devo muito à todos
que um dia cruzaram a minha vida e nela tiveram alguma (pequena ou grande)
influência. Bom, agora são exatamente 3:18, uma hora se passou, o texto acabou,
mas a emoção não...
3 comentários:
Sou sua fã e nosso eterno mascotinho, cara que sabe colocar as palavras ao vento e demonstrar nos mais belos detalhes o essencial da vida....te adoruuu de montãooooo
Belas palavras Jonas!!!
" quanto barulho o silêncio faz" adorei o texto!!!
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